Uma carta e muita gente
- Dallen Fragoso
- 4 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
O que podemos aprender com Paulo sobre a arte dos relacionamentos.
“Este é o nosso orgulho: a nossa consciência dá testemunho de que nos temos conduzido no mundo, especialmente em nosso relacionamento com vocês, com santidade e sinceridade provenientes de Deus, não de acordo com a sabedoria do mundo, mas de acordo com a graça de Deus.” II Cor 1.12 (ler todo a primeiro capítulo)
Paulo está escrevendo para a igreja em Corinto através de uma de suas cartas. No contexto, ele está profundamente consternado e agradecido pela preocupação que os irmãos tiveram com ele e sua equipe. Dá pra perceber, especialmente lendo o versículo acima, a importância que ele dava a esse relacionamento com a igreja em questão. Parafraseando, ele diz algo que nos dias de hoje poucos de nós poderíamos repetir:
“Nós temos orgulho de dizer que nossa consciência está tranquila porque fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para não envergonhar o Reino de Deus, honrando os princípios da palavra em toda e qualquer atitude e relacionamento com vocês.”
Ok. É bom lembrar que Paulo foi um apóstolo importantíssimo no plano da redenção do homem, mas ainda assim, um homem. Como eu e você. Duro admitir isso, não? Melhor seria se ele tivesse confessado algum poder sobrenatural para conseguir o discernimento que teve, eximindo-nos assim da culpa de viver segundo nossa própria vontade. Todavia, aspectos absolutamente naturais nos levam a entender um pouco de sua bem-sucedida carreira de fé. Vamos a eles.
Os meus, os seus, os nossos: Paulo compreendeu que não fora colocado no mundo para viver, mas para conviver. Em se tratando de relacionamento, faz muita diferença. Ele se preocupou em dar explicações, fazer agradecimentos, avisar de possíveis infortúnios vindouros. Tratou os irmãos em Corinto com respeito e zelo, como o próprio Cristo faria. Nós gostamos de dizer que somos “pequenos Cristos”, não é? Se agíssemos assim, chegaríamos bem perto. Porém, a gente pensa que o mundo gira ao redor do nosso umbigo e isso nos dá razão para ignorar o outro, mesmo que esse outro seja alguém muito próximo. Não agradecemos, não explicamos, não compartilhamos, temos preguiça, deixamos por isso mesmo.
Todo mundo espera que um relacionamento - seja conjugal, de amizade, profissional, etc. - seja agradável, prazeroso e traga algum benefício, certo? Só que com muita facilidade esquecemos que a pessoa do outro lado anseia pela mesmíssima coisa.
Mi casa, su casa: nos versículos 10 e 11, Paulo conta que havia sobre eles uma sentença de morte, mas que eles continuaram a crer em Deus que sempre os livrara do perigo, e agradecia a preciosa ajuda dos irmãos em oração. Uau, observe que grande segredo temos aqui! (tsc, tsc, tsc, nós, humanos, sempre em busca do segredo, do poder, das chaves... pior que isso dá Ibope)...
Você percebe onde estava a confiança de Paulo? Em Deus, não nas orações. Entretanto, entendemos como elas foram importantes quando ele diz: assim, muitos darão graças por nossa causa, pelo favor a nós concedido em resposta às orações de vocês. Logo, Deus era a sua esperança, mas ela só se tornou real por causa da comunidade em Corinto. Por causa deles, tinham para quem escrever, para quem voltar, a quem ensinar.
Isso faz mais sentido quando lembramos que ao criar o homem, Deus criou uma comunidade, criou a família. Porque Ele mesmo é uma comunidade – Pai, Filho, Espírito Santo – então criou algo à sua imagem e semelhança. Logo, existiam 02 famílias na Terra, a família Deus e a família homem; a família homem se perdeu e uma das pessoas da família Deus teve que resgatá-la. De lá pra cá, tudo o que Deus nos ensinou está dentro do contexto comunitário: o pão é nosso, o Pai é nosso, a igreja somos nós... Até a bênção do Senhor, quem diria, está na comunhão dos santos. Sério. A bênção que você tanto busca não vem pelo tanto que você ora. Vem pelo tanto que você se deixa moldar a Cristo no convívio com os irmãos. Comunidade. Igreja.

Nem seje, nem menas: esse tal de Paulo não escorregou nenhuma vez no português, hein? Escreveu tudo na terceira pessoa do plural, excluindo a possibilidade de EU me achar mais engraçadinho perante Cristo.
O fato é que Deus amou o mundo, ou seja, várias pessoas, a comunidade toda!, e não você, exclusivamente. Nós gostamos de pensar - com os olhos cheios de lágrimas, mãos levantadas, e uma canção nos lábios – que Deus enviou seu precioso Filho para “me” salvar. Quem nunca? Mas essa é apenas uma versão romântica da verdade. Muitos de nós até fomos ensinados assim. Contudo, espera-se que, tão logo prossigamos crescendo no conhecimento e na graça de Jesus, entendamos que “eu” não sou nada, nada mesmo, sem o meu irmão, sem o meu próximo. No Reino de Deus é tudo plural: a criação (façamos!), o mandato (“domine o homem sobre...” aqui homem é a comunidade), a salvação (Deus amou o mundo), a autoridade (para a Igreja!), e assim vai.
E a individualidade? Bem, o bom Pastor deixou 99 ovelhas no aprisco, em segurança, para buscar a centésima que estava perdida. Essa centésima, assim como as outras, ele conhecia pelo nome. Por isso sentiu sua falta e buscou-a por amor. Para ela, tinha um objetivo: levá-la de volta ao aprisco, onde, junto às outras, aprenderia de novo a ser gente... ops, ovelha.
Não tem jeito. Tudo é relacionamento. Ninguém vive sozinho, ninguém ganha dom nenhum para si mesmo. Tudo é em função do outro. Certo estava Paulo – certo não é sinônimo de fácil, só para constar – que tratou logo de aprender a arte do relacionamento desenvolvendo-a dia após dia.
Saudações.
*Dallen é consultora de estilo e empreendedora sustentável no TAG de LUX.
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