É possível Deus afastar-se de nós?
- Pr. Marcos Pacheco dos Santos | Filósofo e
- 2 de jul. de 2019
- 3 min de leitura
Muitas vezes no decurso da nossa existência, temos a impressão de que Deus está longe, ausente, e indiferente. Quando não surdo e mudo em relação a cada um de nós. Principalmente quando nos encontramos na noite escura da alma.
Precisamos crescer e amadurecer no que diz respeito a uma espiritualidade autêntica e consistente. No início da nossa conversão, sim, início, tudo é maravilhoso. Ainda não estamos prontos e cada dia é um presente, um recomeço para atualizarmos a nossa conversão que é perene.
Os sentimentos encontram-se à flor da pele. Sentimos a Deus, tudo é lindo, queremos transformar o mundo e ganhar a todos para Cristo. No que diz respeito à vida de oração, não existe “tempo ruim” e estamos sempre dispostos a servir ao Senhor.
Contudo, conforme se passam os dias, percebemos que a paixão, o fogo e o “sentir” vão desaparecendo. Questionamo-nos acerca de onde Deus está e de como Ele se encontra distante, surdo e mudo em relação a nós. E que fenômeno é esse que ocorre? Vejamos!
No início da vida espiritual, depois de um encontro vivo e real com Cristo ressuscitado, o Espírito Santo nos convence acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jó 16:8). Quando isso ocorre com cada um de nós somos inundados por um desejo, uma paixão e um sentimento de querer estar cada vez mais com Deus. É o próprio Deus quem nos concede essa graça, essa “mamadeira”, enquanto ainda somos bebês espirituais.
Entretanto, passado um tempo, Deus retira a “mamadeira” para saber qual é a real motivação que nos leva a buscá-lo: se é o que Ele nos dá, ou o amor de nossa parte. O amor, por sua vez, não é sentimento, mas sim uma decisão.
Deus quer que cheguemos ao seguinte ponto da vida espiritual: “Senhor, eu não Te sinto, não Te vejo, percebo-Te surdo e mudo em relação a minha dor e angústia. Porém, pela fé, creio que estás comigo e tomo a decisão de viver em ti!”.
Esse ato de fé é o fundamento da esperança, certeza a respeito do que não se vê (Hb 11.1). Certifica-me acerca da verdade de que é impossível Deus deixar de pensar em mim. Caso Deus deixasse de pensar em nós por um milésimo de segundo, deixaríamos de existir imediatamente. Inclusive no pecado, Deus não deixa de nos amar. Ele não pode negar-se a si mesmo!
Outro fator pertinente, que provoca uma insegurança tremenda no interior da alma – oriundo do nosso mau uso da liberdade – é o secularismo (fechamento ao transcendente) e o relativismo (quando não há uma verdade absoluta), que têm assolado os cristãos pós-modernos. Pessoas que não querem radicalidade em suas vidas. Querem viver um cristianismo “ligth” sem muitas exigências e nada que precise comprometimento. Onde impere o “seja a minha verdade”, isso é, uma espiritualidade medíocre, pois o evangelho precisa adequar-se a mim e não eu à Palavra.
Como nos encontramos diante da nossa noite escura: convictos e perseverantes ou em desistência de uma vida em Deus, por não senti-lo? Acaso tal noite escura não pode ser consequência do secularismo e do relativismo, cujo fruto é o ateísmo prático: viver como se Deus não existisse?
Lembro-me do testemunho de uma das mulheres mais extraordinária da Igreja, Catarina de Gênova (mística italiana, nascida no final do Séc. XV).
Após um período de profunda turbulência e luta para viver a vontade do Pai, em que não sentia a presença de Deus, e agora tendo a graça de senti-la novamente, ela pergunta na intimidade: “Senhor, agora tu te apresentas? Onde estavas durante o meu combate para viver a tua vontade? Não viste que precisei do Senhor?”
Foi quando Deus lhe respondeu: “Filha, onde eu estava? Estava no mais profundo e íntimo da tua alma, em profunda alegria, vendo lutares para fazer a minha vontade; eu aplaudia-te durante toda a luta”. Isso é lindo, é tremendo! Para chegar a esse nível, precisamos urgentemente começar a chorar os nossos pecados, retornar para Deus e lutar: sentindo ou não, pois a noite escura da alma faz parte.

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